O interior do Café Central por volta de 1900
O mais famoso café de Viena, o Café Central, situado no rés-do-chão do palácio Ferstel, na Herrengasse, foi fundado em 1876, encerrado em 1943 e reaberto novamente em 1982-1986. O Central foi o local preferido dos artistas, escritores e políticos entre o encerramento do Café Griensteidl, em 1897, e a abertura do Café Herrenhof, em 1918. Parece que, nas andanças dos seus 130 anos, perdeu bastante do sofisticado ambiente de café literário, para se tornar, actualmente, num café-restaurante chic, procurado por turistas em busca de miragens. Aos clientes fixos do café chama-se ainda hoje centralistas, termo cunhado em 1926 por Alfred Polgar na sua “Teoria do Café Central”, cujo texto se pode aqui ler, no post seguinte, pela primeira vez em português.
No princípio do século XX, Viena era uma capital de Império com uma vida cultural comparável à de Paris e Berlim, animada por uma plêiade de intelectuais e artistas, em parte de origem judaica. Os cafés vienenses, espaçosos e ostentando luxuosas decorações neo-clássicas ou neo-góticas, mais raramente art nouveau (ou Jugendstil), eram os principais centros de encontro desta esfuziante vida cultural. Aos jornalistas, poetas, romancistas, pintores e arquitectos famosos, por vezes acompanhados de figuras femininas, juntavam-se os médicos e os psicanalistas, bem como os políticos de várias águas, desde os social-democratas mais moderados aos revolucionários bolcheviques, passando pelos anti-semitas e os futuros nazis. É de pasmar a lista das celebridades e beaux esprits cultores desta vida de café na Viena fin de siècle. Os maiores carniceiros do século XX, hélas, também por lá passaram! Sim, estou a falar de Hitler e Stalin, como adiante se verá.
Eis os nomes de alguns dos frequentadores mais famosos do Café Central na sua época dourada, da viragem do século até ao advento do nazismo:
Viktor Adler (1852-1918), co-fundador do partido social-democrata austríaco. “Social-chauvinista” durante a I Guerra Mundial, não se deve ter entendido bem, então, com Trotsky, que conhecera e ajudara em 1907. Era pai do Friedrich Adler, que divergiu politicamente dele.
Friedrich Adler (1879-1960), político social-democrata e revolucionário austríaco, filho de Viktor Adler. Foi opositor da política de guerra e, em 1916, matou o primeiro ministro da Monarquia Austro-Húngara, conde Karl von Stürgkh. Safou-se com um ano de prisão, graças ao termo da guerra.
Otto Bauer (1881-1938), político social-democrata austríaco, um das figuras de proa do austro-marxismo. Depois de ter participado em governos com os sociais-cristãos, Bauer chefiará a resistência ao clerical-fascismo de Dollfuss e partirá para o exílio parisiense em 1934, ali morrendo meses depois do Anschluss (1938).
Lev Bronstein, aliás Trotsky, que viveu em Viena de 1907 (fugido da Sibéria) até 1917. Era cliente fixo do Café Central, onde habitualmente jogava xadrez. Discutia ali política com os socialistas austríacos, mas viria a ter má opinião deles, por não serem revolucionários ou por não serem pacifistas. Em Outubro de 1917, o presidente do governo austríaco, conde Heinrich Clam-Martinic, anunciou aos seus pares a eclosão da revolução bolchevique na Rússia, acrescentando que “o seu instigador foi, ao que parece, o Sr. Bronstein do Café Central”.
Alfred Adler (1870-1937), médico, psiquiatra, psicanalista. Rompeu em 1911 com Freud, com quem em 1902 havia fundado a Sociedade Psicanalítica de Viena. Alfred Adler fumava o seu charuto no Central, enquanto Freud talvez preferisse o Café Landtmann.
Sigmund Freud, pouco assíduo frequentador do Café Central. Não nos repugnaria imaginar sentados a uma mesa do canto o doutor Freud com a sua discípula, amiga e admiradora Lou Andreas-Salome.
Krafft-Ebbing, psiquiatra, autor do clássico Psychopathia Sexualis.
Theodor Billroth (1829-1894), grande cirurgião alemão prussiano, catedrático da Universidade de Viena, considerado o fundador da cirurgia moderna.
Theodor Herzl (1860-1904), judeu natural de Budapest, viveu em Viena. Foi o fundador do moderno sionismo político. Sucedeu-lhe à cabeça desse movimento o igualmente húngaro Max Nordau.
Peter Altenberg (1859-1919), boémio e escritor de origem judaica. Escreveu aforismos, poemas em prosa, esboços, pequenas peças, tudo reunido numa dúzia de volumes. Tem um estátua de papier-mâché no próprio Café Central, sentado a uma mesinha, perto da porta de entrada. De seu verdadeiro nome Richard Engländer, mudou de nome para se demarcar da cultura burguesa e convencional dos seus pais. Ter-se-ia convertido ao catolicismo em 1900. Foi um campeão de todos os fracos e indefesos que via tratados de forma insensível, nomeadamente crianças, serviçais e mulheres casadas. Foi também um defensor da "superioridade" dos povos considerados "primitivos" em relação aos "civilizados". Figura não convencional e extravagante, usava sandálias, vivia em hotéis, era senhor de uma gigantesca colecção de postais ilustrados (mais de 10.000) e era tido por pedófilo. Recebia o seu correio pessoal no Café Central, mas também frequentava o Café Museum e o Café Landtmann.
Alban Berg (1885-1935), compositor musical, conhecido sobretudo pelas suas óperas Wozzek (1917) e Lulu (1928). Era um "viciado incurável" dos cafés de Viena, tendo sido amigo de Peter Altenberg. Com base em textos de bilhetes postais escritos por este, Berg compôs as "Cinco canções orquestrais", ou "Altenberg Lieder", apresentadas em 1913 num concerto conduzido por Arnold Schönberg, na Musikverein de Viena, que provocou escândalo e desacatos.
Adolf Loos (1870-1933), célebre arquitecto e artista decorativo ou designer, cliente do Café Central, teve como seu primeiro projecto importante o Café Museum (1899). Também fez o Bar Americano. Modernista, anti-secessionista, defendeu a tese da obsolescência do ornamento. O edifício mais célebre de Loos é o do gaveto da Michaelerplatz, em Viena, que data de 1911. Em 1922, participou no concurso do edifício Chicago Tribune com uma torre em forma de coluna dórica gigante.
Oscar Kokoschka, pintor expressionista, amigo de Karl Kraus, pintou retratos no Café Central. Amante de Alma Mahler. Quando Alma o deixou, Kokoschka mandou fazer uma boneca parecida com ela, em tamanho natural, que levava para o café e sentava ao seu lado.
Felix Salten (1869-1945), nascido em Budapest de família judaica, viveu desde muito jovem em Viena. Foi escritor, crítico e ensaista do círculo "Jovem Viena". Autor do livro Bambi (1923) que, em 1942, Disney transformaria em filme de grande sucesso. É dado como o autor de um romance erótico publicado em 1906, Josefine Mutzenbacher, que relata a vida de uma prostituta vienense. Famosa foi a sua relação de grande inimizade com Karl Kraus. Exilado na Suiça a partir de 1939, morreu em Zurique no fim da guerra.
Oscar Kokoschka, pintor expressionista, amigo de Karl Kraus, pintou retratos no Café Central. Amante de Alma Mahler. Quando Alma o deixou, Kokoschka mandou fazer uma boneca parecida com ela, em tamanho natural, que levava para o café e sentava ao seu lado.
Felix Salten (1869-1945), nascido em Budapest de família judaica, viveu desde muito jovem em Viena. Foi escritor, crítico e ensaista do círculo "Jovem Viena". Autor do livro Bambi (1923) que, em 1942, Disney transformaria em filme de grande sucesso. É dado como o autor de um romance erótico publicado em 1906, Josefine Mutzenbacher, que relata a vida de uma prostituta vienense. Famosa foi a sua relação de grande inimizade com Karl Kraus. Exilado na Suiça a partir de 1939, morreu em Zurique no fim da guerra.
Robert Musil (1880-1942), grande escritor modernista
austríaco, autor de uma das obra-primas mundiais do séc. XX, O Homem sem
Qualidades. Foi-lhe recusado o Nobel da literatura. Viveu entre Berlim e
Viena e, sob o nazismo, exilou-se na Suiça. O seu local preferido em Viena era o Café Museum.
Alfred Polgar (1873-1955), escritor austríaco de origem judaica
húngaro-eslovaca, politicamente um socialista independente. Foi o autor da
célebre "Teoria do Café Central" (ver aqui o post seguinte). Trabalhou como jornalista,
folhetinista, ensaísta, crítico de teatro e escritor prolixo em Viena, Praga e
Berlim. Cultivou o "pequeno escrito". Escreveu sketches para o
cabaret Fledermaus (Viena) e colaborou em revistas satíricas, como o
semanário Simplicissimus (Munique). Rainer Maria Rilke, Franz Kafka, Thomas
Mann e Robert Musil tinham grande apreço pelas suas qualidades de escritor. O
advento do nazismo, em 1933, fê-lo regressar de Berlim a Viena, onde até 1938
trabalhou com enormes limitações. Após o Anschluss tentou exilar-se na Suiça,
mas foi-lhe negada residência, pelo que passou a Paris. Em 1940 teve,
novamente, que fugir aos invasores nazis, desta vez para Lisboa, onde a 4 de
Outubro embarcou num navio grego para Nova Iorque, juntamente com Heinrich Mann
e Franz Werfel. Nos EUA trabalhou como jornalista da imprensa exilada de língua
alemã e como argumentista para os estúdios da MGM. Depois da guerra regressou à
Europa, vivendo com base em Zurique até à morte.
Stefan Zweig
(1881-1942), escritor austríaco de origem judaica, amigo pessoal e colega de mesa
no Café Central de Alfred Polgar, o qual escreveria o argumento para o filme The
Burning Secret, tirado do romance homónimo de Zweig.
Hermann Broch (1886-1951), poeta, romancista,
dramaturgo e ensaista vienense de origem judaica. Convertido ao catolicismo em
jovem, regressou no fim da vida ao judaísmo. Autor de A Morte de Virgílio
e da trilogia Sonâmbulos. Preso no dia da ocupação da Áustria pelos
nazis, conseguiu todavia exilar-se na América. No fim da II Guerra Mundial escreveu uma
Psicologia das Massas.
Ea von
Allesch (1875-1953),
também conhecida por Emma Rudolf. Jornalista de moda em Viena e Berlim, antiga
modelo de nu. Chamavam-lhe "Rainha do Café Central". Ea casou três
vezes e, entretanto, teve relações amorosas com vários frequentadores do café,
como Alfred Polgar e Hermann Broch. Era amiga de Musil e de Rilke.
Milena
Jesenská (1896-1944),
jornalista e tradutora checa. Outra figura feminina dos cafés literários de
Praga e, depois, dos de Viena (o Café Central e o Café Herrenhof). Era filha de
um dentista de Praga, com quem viveu em conflito. Aos 20 anos, Milena conheceu
Ernst Polak, um tradutor judeu frequentador de cafés que a apresentou ao Café
Arco, de Praga, onde deambulavam Kafka (que não chegou, então, a conhecer
pessoalmente), Max Brod, Franz Werfel, entre muitos outros. Depois de metida
pelo pai num asilo psiquiátrico durante oito meses, Milena fugiu, casou com
Polak e foi com ele viver para Viena. Ali começou uma hesitante carreira de
jornalista de moda. O marido era-lhe infiel e Milena meteu-se nas drogas,
sobretudo cocaína. Teve um breve romance com Hermann Broch e, depois, com Franz
Kafka, por correspondência. Milena apaixonou-se pelos contos de Kafka e
escreveu-lhe a propor traduzi-los para checo. Dessa carta de 1919 nasceu uma
correspondência que durou até 1923. Kafka e Milena encontraram-se, porém, raras
vezes. O principal encontro durou apenas dias e teve lugar em Viena, em 1920.
Terão aparecido juntos, ao que se diz, nos cafés literários da Herrengasse.
Kafka já estava gravemente doente e Milena não se decidia a deixar Polak por um
escritor tuberculoso. Após a morte de Kafka (1924), Milena passou os
manuscritos que ele lhe confiara a Max Brod, que os publicou. Depois de se ter
casado mais duas vezes, Milena adoeceu gravemente. Quando recuperou da doença
tornou-se dependente de drogas e sexualmente promíscua. Abandonando a droga,
militou no Partido Comunista, de que seria expulsa por protestar contra os
processos de Moscovo de 1936. Tornou-se numa combativa militante anti-nazi,
entrando para a clandestinidade após a ocupação alemã de Praga, em 1939. Em
1940 foi presa e enviada para o campo de concentração de Ravensbrück, onde
morreu em 1944.
Lina Loos (1884-1950), née Obertimpfler, actriz
e escritora vienense, frequentadora dos cafés vienenses e do Café Central em
particular. Era originária de uma família bem conhecida de Viena, proprietária
do Café 'Casa Piccola' no bairro central de Mariahilf. Depois de estudar
representação, tornou-se uma actriz e cantora de cabaret de sucesso em Berlim (Unter
den Linden), Munique (Elf Scharfichter) e Viena (Nachtlicht, Fledermaus).
Depois de se divorciar do arquitecto Adolf Loos, com quem esteve casada entre
1902 e 1905, tentou a sua sorte como actriz nos EUA, onde triunfou. Regressou à
Europa antes do começo da Grande Guerra. Rudolf Beer, director do Raimundtheater
de Viena contratou-a em 1922. Sob a sua direcção, Lina actuou ainda no Deutsche
Volkstheater de 1924 até 1938, quando se retirou do palco. Lina, que também
trabalhou como escritora, era tida na sua juventude por uma
das mais belas mulheres de Viena. Esteve sempre em foco na vida
cultural e intelectual da cidade. Ao seu círculo de amigos pertenciam
celebridades como Peter Altenberg, Egon Friedell, Franz
Theodor Csokor (poeta, dramaturgo e romancista, 1885-1969), Franz Werfel, G.
Kaiser, Bertha Zuckerkandl and G. Wiesenthal.
Alma
Mahler-Werfel
(1879-1964), née Schindler, compositora e pintora vienense, conhecida pela sua beleza e
inteligência. Alma Schindler teve como primeiros amores o pintor Gustav Klimt e
o compositor Alexander von Zemlinsky. Foi casada sucessivamente com Gustav
Mahler (1902), Walter Gropius (1911) e Franz Werfel (1929). Mahler impediu-a de
seguir uma carreira artística. Teve uma célebre relação amorosa com o pintor
Oskar Kokoschka, que a representou nua juntamente consigo, também nu, em vários
quadros célebres (por exemplo, "Noiva do Vento"). Juntamente com o marido judeu
Franz Werfel, teve de fugir aos nazis da Áustria, em 1938, e de França, em 1940,
conseguindo chegar aos Estados Unidos via Lisboa em Outubro de 1940.
Gina Kaus (Viena 1894 – Los Angeles 1985),
escritora, foi frequentadora dos círculos literários dos cafés de Viena,
especialmente o Café Herrenhof. Née Regina Wiener, Gina casou em 1913
com o músico Josef Zirner, que morreu em 1915. Tornou-se em 1916 amante do
banqueiro judeu Josef Kranz, que financiou os seus projectos literários sob o
pseudónimo masculino de Andreas Eckbrecht. Em 1920 Gina casou com o jornalista
e e escritor comunista Otto Kaus, de quem manteve o nome, apesar do divórcio em
1926. A peça "Ladrões em casa", representada em 1917 no Burgtheater
de Viena, foi o seu primeiro êxito como autora de comédia. Escreveu romances (A
mãe, 1924 e Catarina a Grande, trad. inglesa 1935) e também contos
para periódicos. Manteve relações de amizade com Hermann Broch, Franz Blei,
Karl Kraus, Alfred Adler, Robert Musil e Franz Werfel. Em 1938, sendo já uma
escritora consagrada, emigrou para a Suiça no dia do Anschluss, depois para
Paris e, enfim, para os Estados Unidos (1940), onde escreveu romances e
argumentos para numerosos filmes de Hollywood. Frequentou os meios da
emigração, dando-se especialmente com Vicki Baum, Bertolt Brecht, Fritz Kortner
e Berthold e Salka Vierfel.
Vicki Baum (1888-1960), popular romancista vienense
de origem judaica, autora de dúzias de best-sellers, dezassete dos quais
adaptados ao cinema por Hollywood desde o princípio dos anos 30. Até aos 28
anos foi música (harpista) profissional, escrevendo nas horas vagas. O primeiro
marido, um jornalista, introduziu-a na vida literária de Viena. O segundo foi o
maestro Richard Lert. Trocou depois Viena por Berlim e na década seguinte
instalou-se na América, depois de o filme "Grande Hotel", adaptado de
uma obra sua, ter ganho o Óscar para o melhor filme (1932). A Alemanha nazi
proibiu as suas obras e Vicki naturalizou-se americana em 1938. Nos anos 40
tornou-se numa escritora de língua inglesa, escrevendo romances, contos, dramas
e argumentos para filmes.
Egon Schiele, pintor expressionista. Parece que ia mais ao Café Museum.
Anton Kuh (1890-1941) poeta e jornalista judeu
austríaco. Kuh (palavra que significa vaca em alemão) «fut un dandy,
un brillant orateur et un écrivain satirique du gabarit de Karl Kraus, qu'il
connaissait bien. Il est l'incarnation de l'intellectuel oisif, familier des
cafés de Vienne et de Prague. Il observait les autres courir après l'argent, le
travail et la gloire». Artista
do curto bilhete, deixou centenas de pequenos textos que compõem “um
retrato decapante da sua época e da ascensão do fascismo na Áustria». Fugiu de
Viena horas antes da chegada das tropas nazis à sua cidade natal, em 1938, apanhando o último comboio para Praga. Morreu no exílio na América. Café de
l'Europe é uma recolha dos seus famosos bilhetes, que a Calmann-Lévy
publicou em tradução francesa em 2003.
Leo Perutz (1882-1957), romancista austríaco natural de Praga, viveu em
Viena até ao Anschluss, fugindo então para a Palestina. Autor de onze romances, que foram elogiados por Jorge Luis Borges, Graham Greene e Italo Calvino.
Arthur Schnitzler, dramaturgo, crítico, romancista e contista de origem
judaica. Uma parte considerável da sua juventude foi passada no Café
Griensteidl e, depois, no Café Central. Na autobiografia intitulada Juventude
em Viena, Schnitzler fala duma tal Theresa, "a muito cobiçada
empregada do café que eu frequentava, onde jogava bilhar de manhã, cartas à
tarde e bilhar e cartas à noite." Estudou Medicina e Psiquiatria,
tornando-se amigo pessoal de Freud. Trocando depois a clínica pela escrita,
Schnitzler passou a ser considerado "o Freud da literatura". As suas
obras foram utilizadas para mais de 50 filmes e, em 1999, Kubrick adaptou um seu
romance no filme Eyes Wide Shut.
Gustav Klimt (1862-1918), pintor, figura de proa da
Secessão de Viena. Parece que ia mais ao Café Museum.
Hugo von Hofmannsthal, notável dramaturgo e poeta.
Hermann Bahr, escritor, dramaturgo e crítico, o primeiro a aplicar o
termo modernismo a uma corrente literária. Observador pioneiro e
definidor, também, do expressionismo. Célebre pelas suas críticas a
Gustav Klimt. Católico de origem, depois descrente, depois novamente católico.
Max Brod (1884-1968)
escritor e jornalista, judeu alemão natural de Praga, amigo íntimo, executor
testamentário e editor de Kafka. Viveu os últimos 30 anos em Tel Aviv.
Franz Kafka (1883-1924) escritor judeu de língua
alemã nascido em Praga, um dos nomes maiores da literatura mundial do século
XX. Não era grande frequentador de cafés literários, mas foi visto no Café Arco
de Praga, no Café Josty de Berlim e no Café Central de Viena. Existe um
cacafónico Café Kafka em Praga.
Franz Werfel, poeta, dramaturgo, romancista nascido
em Praga. Judeu de língua alemã convertido ao cristianismo. Amigo de Max Brod e
de Franz Kafka, o qual tinha por ele uma enorme admiração como poeta. Werfel,
por seu turno, só dificilmente descobriu o génio de Kafka. A primeira vez que
leu uma curtas prosas de Kafka, comentou depreciativamente: "Isto nunca passará de
Bodenbach". Enganou-se redondamente. Bodenbach era a estação fronteiriça
da Boémia com o Império Alemão. Acompanhado pela sua mulher Alma, Franz Werfel fugiu do nazismo para a América
via França, Espanha e Portugal. Admirador de Lourdes, sobre a qual publicou na
Califórnia o romance The Song of Bernadette (1942), que daria depois o filme homónimo (1943).
Karl Kraus (1874-1936) dramaturgo, poeta, crítico, ensaísta e jornalista de origem judaica, natural da Boémia, Monarquia Austro-Húngara. Foi
fundador e director da revista crítica e satírica Die Fackel (O Archote),
de que saíram 922 números entre 1899 e 1936. Até 1911, Die Fackel
publicou textos de Peter Altenberg, Richard Dehmel, Egon Friedell, Oskar
Kokoschka, Else Lasker-Schüler, Adolf Loos, Heinrich Mann, Arnold Schönberg,
August Strindberg, Georg Trakl, Frank Wedekind, Franz Werfel, Houston Stewart
Chamberlain e Oscar Wilde. A partir de 1911, a revista foi escrita quase só por
Kraus. Aos 22 anos abandonou definitivamente os estudos universitários em Viena
(primeiro Direito, depois Filosofia e Literatura Alemã). Frequentou as
tertúlias do Café Griensteidl e do Café Central. Foi membro da Jung Wien, mas
separou-se do grupo em 1897, com a publicação da obra Die demolierte
Litteratur (A Literatura Demolida). Detractor de Hermann Bahr e Felix Salten.
Cultor de uma sátira implacável, é considerado um dos seus principais expoentes
em língua alemã no séc. XX. Foi autor, em 1922, da peça Os Últimos Dias da
Humanidade, uma sátira da Grande Guerra, cuja primeira versão escrevera em 1915.
Evoluiu, politicamente, do conservadorismo monárquico para o republicanismo
democrático. Foi um crítico demolidor da corrupção no Império Habsburg e do
nacionalismo pan-germânico. Atacou a psicanálise, também, embora respeitasse
Freud. Karl Kraus converteu-se ao catolicismo (1899), mas abandonou-o em 1923.
Troçou de Theodor Herzl e do sionismo (Uma coroa para Sião, 1898),
advogando a assimilação dos judeus, pelo que foi apodado de "judeu
anti-semita".
Egon Friedell (1878-1938) doutor em filosofia,
historiador, jornalista, crítico de teatro, actor de cabaret, director
artístico do cabaret Fledermaus (Morcego), aberto em Viena em 1907. Foi
pioneiro do modernismo austríaco, tal como os seus amigos Kraus, Kokoschka e
Altenberg. Entre os amigos de Friedell estavam quase todos os outros grandes
autores da época: Franz Werfel, Hermann Broch, Robert Musil, Rainer Maria
Rilke, Arthur Schnitzler, Hugo von Hofmannsthal. Escreveu uma História
Cultural da Idade Moderna em três volumes e começou uma História
Cultural da Antiguidade. Friedell era de origem judaica e converteu-se ao
luteranismo. Suicidou-se em 1938, em Viena, atirando-se da janela à rua quando os esbirros da Gestapo
estavam a chegar à porta de sua casa para o prender. As suas últimas
palavras, segundo uma lenda de humor negro, foram: "Cuidado aí em
baixo!"
Karl Lüger (1844-1910), político católico,
populista, anti-semita e anti-liberal austríaco, cujas ideias
influenciaram o jovem Hitler durante a sua estadia em Viena. Liberalismo era,
no final do séc XIX, sinónimo de poderio económico dos judeus. Lüger uniu o seu
Partido Anti-Semita e Anti-Liberal aos Cristãos Unidos, formando o Partido dos
Socialistas Cristãos (ou Social-Cristão) que, à data da sua morte, era o
partido dominante na Áustria. Lüger foi conselheiro municipal desde 1875 e
burgomestre de Viena de 1897 até 1910. Nesse período, a capital da
Monarquia Austro-Húngara tornou-se uma das mais belas cidades europeias e um modelo de administração municipal, o que fez de Lüger um político
muito popular e respeitado. Segundo alguns, o anti-semitismo de Lüger
destinava-se mais a caçar votos e a aumentar a influência da Igreja católica do
que, propriamente, a justificar uma perseguição aos judeus. As sementes de
anti-semitismo germinariam mais tarde...
Vladimir
Illitch Ulianov, aliás Lenin,
encontrou-se várias vezes com Trotsky no Café Central. Parece que o rapaz
gostava mais da cervejaria Landolt, de Genebra (Suíça), onde terá gravado o seu
nome num tampo de mesa de madeira, que hoje ninguém sabe onde pára. De uma sua fotografia de 1897, sentado a uma mesa com livros e de olhar intimidante, irradia já a presunção de um pseudo-génio messiânico. Quão superiores lhe
eram Tolstoy, Gogol, Dostoyevsky! Génio talvez, mas maléfico.
Adolf
Hitler (cujo pai se
chamou Alois Schicklgruber até mudar de apelido) era um vendedor ambulante de
desenhos e pinturas de que ele próprio era o autor. Ao que consta, o futuro Führer
não gostava muito de cafés nem de cervejarias. Era um pelintra que não tinha
dinheiro para vícios. Segundo as memórias do actor Rudolf Forster (1884-1968),
“o pintor Adolf Hitler era um sombrio personagem que tentava vender as suas
pinturas aos clientes do Café Central, ninguém lhe prestando grande atenção”. O
futuro exterminador de judeus, ciganos, deficientes e opositores políticos
viveu pobremente em Viena de 1907 a 1913, num albergue para homens solteiros relativamente luxuoso, pois tinha banho quente e luz eléctrica. Mal empregada tanta generosidade, senhor Imperador Francisco
José! Os cafés de Viena eram muito frequentados por intelectuais e artistas
judeus que, com o seu gosto refinado, não deviam apreciar a arte menor de Adolf.
Yossif
Vissarionovitch Djugashvili, aliás Stalin,
seminarista falhado de Tbilisi e futuro carniceiro de Moscovo. Terá jogado
xadrez com Trotsky no Café Central de Viena em 1912-1913. Num intervalo das suas numerosas prisões na Rússia dos Czares,
Stalin esteve, de facto, fugido em Viena, mais exactamente desde fins de
Dezembro de 1912 até fins de Janeiro seguinte. Estamos, pois, em condições de
imaginar a seguinte cena: Trotsky e Stalin a jogar xadrez no Café Central, com
Hitler ao lado da mesa, de pé, a tentar vender-lhes uma aguarela, para pagar o
quarto alugado no albergue da cidade... Teoricamente, isso pode muito bem ter
acontecido em Janeiro de 1913, quando os três se encontravam realmente em
Viena.
Outros “cafés literários” de Viena:
Café Frauenhuber. O mais antigo café de Viena, frequentado já por
Mozart e Beethoven, segundo a tradição.
Café Griensteidl. Estabelecido em 1847 na esquina da Michaelerplatz
com a Herrengasse, foi o primeiro grande café literário de Viena. No fim do
século, havia quem lhe chamasse "Café Grössenwahn" (Café
Megalomania). Ali reunia o grupo literário Jung-Wien (Jovem
Viena), formado por Arthur Schnitzler, Hugo von Hofmannsthal, Hermann
Bahr, Peter Altenberg, Karl Kraus, Felix Salten, etc., que alguns alcunhavam de
"literatos de café". O Griensteidl cedeu a primazia ao Café Central
quando, em 1897, teve de ser encerrado, para demolição do edifício e construção
de um novo. Reabriu recentemente (1990) um café do mesmo nome na mesma esquina de Viena.
Café Landtmann. Estabelecido em 1873, frequentado por artistas e
políticos, era o café preferido de Freud, mas também lá iam Gustav Mahler,
Peter Altenberg, Felix Salten e Emmerich Kálmán.
Café Museum. O preferido dos pintores, foi alcunhado de
"Café Niilismo". Mantém ainda hoje a tradição de local frequentado
por escritores e artistas. Projectado por Adolf Loos.
Café Sperl. O preferido do compositor Franz Lehar e, dizem, também de
Hitler.
Café Herrenhof (do nome da rua Herrengasse). Abriu em 1918, roubando
muita clientela ao vizinho Café Central. “Tudo o que era politicamente e
eroticamente revolucionário foi para o novo café, as múmias ficaram no velho”,
escreveu o poeta Anton Kuh. Também Hermann Broch, Elias Canetti e a romancista
Vicki Baum eram clientes regulares. Decoração art nouveau. Fundado por
um judeu de origem húngara, o Herrenhof entraria em decadência sob gestão
"ariana", durante o regime nazi, não conseguindo no pós-guerra
recuperar toda a sua clientela de artistas e escritores e acabando por fechar,
ingloriamente, em 1961. Reabriu, ulteriormente, como um vulgar café sem chispa.
Café Diglas. Fundado em 1923.
Café Hawelka. Criado em 1939 no lugar que fora do Café Ludwig e,
mais antigamente, do Je t'Aime Bar. Fechou durante a segunda guerra mundial. Reabriu,
intacto, em 1945. Quando o Café Herrenhof encerrou em 1961, o Hawelka herdou
parte da sua clientela, sucedendo-lhe, assim, como o principal café literário
de Viena.
Em 1900, Viena
tinha cerca de 600 cafés. Muitos foram fechados após a I Guerra Mundial,
bastantes deles transformados em bancos. Alguns voltaram a abrir nos mesmo locais,
depois de falidos os bancos. O nazismo e a II Guerra voltaram a encerrar um
grande número. Todavia, Viena é hoje, novamente, uma cidade de muitos e belos cafés:
1500, segundo leio.
Viena defende e ressuscita os seus históricos cafés, servindo de exemplo para as cidades que os desprezam e fecham.
© Texto de José Barreto.
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